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A Dose Certa

Qualquer forma de narrativa seriada tem que jogar com as quantidades certas de informação sobre os personagens. Há excelentes histórias, e contadas de uma maneira deliciosa pra quem curte os ganchos e clichês da serialização audiovisual, que gastam essas informações logo de cara, como Desperate Housewives em sua primeira temporada. Mas fico com uma pergunta na cabeça: O que vale mais à pena, prolongar a narrativa adiando a recompensa do expectador ou, de fato, dar as respostas tão prontamente quanto a surge a necessidade por parte de quem assiste?

Fazendo uma comparação entre dois produtos que surgiram na mesma época e tiveram, cada um a sua forma, muito sucesso, é possível tecer comentários sobre o desenrolar do novelo, e ambas investiram pesado nos elementos de novelização (no sentido latino-americano mesmo!) das séries americanas nos anos 2000. Desperate Housewives e Lost, ambas estrearam na mesma época, na mesma emissora e, em 2010, Lost está chegando ao fim como uma das mais importantes séries da história e Desperate Housewives desagrada até os fãs a cada episódio.


Enquanto Lost demorou quase 3 anos pra começar a responder as perguntas que levantava, Desperate Housewives inicia e fecha a cada 22 episódios. Ao meu ver, Lost, que pela demora de me dar recompensas foi me perdendo ao longo do caminho, conseguiu se manter, à medida do possível, mesmo com a crise pós greve de roteiristas. No entando Desperate Housewives, com seus ciclos fechados, não conseguiu, ao longo dos anos, manter a uniformidade na qualidade das tramas. Dizer que adoro mesmo Desperate Housewives e que faço todos os esforços pra ver é algo que posso apenas quando me refiro às 1ª,  3ª e 4ª temporadas. Contudo, apesar de não me agradarem as outras temporadas, o parâmetro ainda é ela mesma.


Mas dei todo esse rodeio pra chegar na série que considero ser o meio termo desses modelos díspares. The Good Wife tem, no geral e a cada episódio também, as duas opções em ótimo nível. A cada episódio é contada uma história singular com pontos intrigantes, no melhor modelo das séries de procedimento, enquanto, paralelamente, o que amarra essas histórias é a mais que intrigante história central, onde o principal drama é: Quem é honesto e o que é honestidade?

Em The Good Wife a dosagem é perfeita entre questionamentos e recompensa e, melhor ainda, é levantada uma pergunta nova, as vezes sobre a trama outras vezes sobre a posição de alguns personagens, que nos leva ao próximo episódio. E, claro, tudo isso dentro de um texto inteligente  que te prende pela dificuldade dele (algo que eu adoro).

The Good Wife



Acho interessante que, narrativamente, se tire leite de pedra em algumas coisas. Drama de tribunal: Todo mundo sabe como vai terminar, os obstáculos sempre são parecidos e o embate maniqueísta sempre alterna entre a figura do promotor e a defesa, o réu acaba sendo figurante. Então porque assistir The Good Wife? Além de mesmo com toda a repetição eu ser fã de drama de tribunal, vale a pena ver esta série pela forma como ela trata o público.


Para Alicia Florrick (Juliana Margulies, a enfermeira Carol Hathaway com coração frio de ER) pouco interessa se você está acompanhando os detalhes judiciais do drama que conta a história dela, esposa do promotor Peter Florrick, preso pelo seu envolvimento em escândalos sexuais e que tenta reassumir controle da própria vida retornando à uma de suas paixões, os tribunais. A linguagem é direta e técnica. Subentende-se que quem se presta a ver tem no mínimo um interesse na temática da coisa. E agradeçamos a Deus pela segmentação da TV, é com base em apostar na inteligência de quem assiste que a cada episódio, centrado em um caso diferente, vamos entendendo aos poucos que 'justiça' para estes personagens, e para muita gente, é algo bem pessoal e egoísta.

Julianna Margulies, fora a definitiva mal feita, está fantástica, merecendo sua 7ª indicação ao Globo de Ouro (melhor atriz, óbvio) desde a primeira cena. Cris Noth veste muito bem a cara de safado e faz a gente esquecer qualquer charme do Mr. Big. Christine Baranski, uma das chefes de Alicia, joga fora toda a leveza de personagens como os coadjuvantes de Mamma Mia!, Big Bang Theory e Cybil e investe num personagem que promete ser marcante. Josh Charles, o chefe aparentemente muito bonzinho, funciona como possível galã.


E seguindo a melhor linha Damages, House e vários outros que fazem parte da linha de "novelização" das séries de procedimento americanas, The Good Wife prende com personagens absolutamente cativantes, inteligentes e com duas incógnitas desconcertantes: Os dois homens na vida de Alicia acusam um ao outro, o marido Peter com o qual mesmo depois das traições todas ela continua casada sem que entendamos o porque, e Will, seu chefe, que mesmo aparentando ser muito simpático e solícito dá pistas que é alguém de quem Alicia deve tomar muito cuidado.